Passei a infância como estudante em colégio de freiras. Os resultados foram vários. O primeiro deles é que ficou um respeito máximo pela autoridade. A gente aprendia a baixar a crista diante dos mais velhos e ponto.
Quanto às freiras, cabe reconhecer, que elas colaboravam para merecer um respeito sacrossanto. Pareciam não pertencer a este mundo. Viviam no convento e quase não saíam. Nem a própria família visitavam. Inimaginável incluí-las em situações de vizinhança. Se comparecessem a alguma festa, por exemplo, era certo que não dançariam, não contariam piadas, não beberiam cerveja.
Elas acompanhavam celebrações religiosas todos os dias. Rezavam muito. Levantavam cedíssimo. E – ao que a gente imaginava – elas não diziam nome feio, nem sabiam o que era raiva.
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No caso da nossa escola, o espaço das salas de aula se localizava no mesmo prédio do convento, só que as freiras habitavam uma ala de acesso proibido. O local se chamava “clausura”. Nem espiar para dentro era possível.
A única oportunidade de chegar um pouco mais perto delas era por ocasião do piquenique anual. As freiras caminhavam conosco pela estrada até o local escolhido para o dia. Talvez ajudassem os grupos a arrumar o espaço do churrasco – não lembro bem. De tarde, organizavam jogos, mas não participavam. Quanto a isso nada de estranho. Usando vestido longo e na cabeça um véu, não havia como esperar malabarismos.
Paro e fico pensando se há confusão nas minhas memórias. Pode haver algum engano, sim, mas de uma coisa tenho certeza. Mesmo nessa rara situação de piquenique, as freiras não comiam. Tenho certeza de que nunca vi uma freira comer. Elas se retiravam na hora do almoço. Se aceitassem a oferta de algum petisco, é certo que o guardariam no bolso.
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Bom, agora fica fácil para você entender o que a gente pensava no tempo de criança. A gente acreditava que as freiras não comiam e que o processo inverso também não existisse. Em outras palavras, a gente pensava que elas não comiam nem descomiam.
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Por tudo isso, você vai entender mais uma coisa. Você vai entender que a minha geração guarda um respeito à autoridade que pode parecer exagerado. O respeito ficou em nós, igual a tatuagem. Difícil desfazer. Nós – que aprendemos a reverência em relação às freiras – aprendemos a sentir muito mais que isso, muito mais ainda, em relação ao Presidente da República!
Então, imagina a surpresa ao ouvir, dias atrás, nosso Presidente declarar que “c… para a CPI da Covid”! Como assim? Então os Presidente também c….?
Minha nossa!
Será que não se fazem freiras e Presidentes como antigamente?