Otávio mora na favela e trabalha numa fábrica. O serviço é pesado. O salário é curto. Junto com alguns colegas procura melhorar as condições, seja no ambiente da fábrica, seja para aumentar os vencimentos. Otávio é determinado. Não desanima, mesmo com advertências, punições. Chega a ser preso, mas vai em frente. Está convencido de que as coisas devem mudar. O lado pior é que a família vive amedrontada. Isso pesa, a ponto de ele e a mulher levarem o filho Tião para morar com os padrinhos.
Tião cresce num ambiente mais estável, longe da vizinhança pobre da favela. Só volta para a casa dos pais já na idade de ter carteira assinada e para trabalhar na mesma empresa de Otávio.
Quando estoura uma greve, Otávio se envolve de cara. Tião não adere. Ele sofreu muito com o ativismo do pai. Tião não acredita no confronto. Especialmente agora, quando a namorada está grávida. Tião coloca em primeiro lugar o filho que vai nascer. Quer garantir um lar e uma vida mais confortável. Tião quer livrar o filho das angústias pelas quais ele mesmo passou.
Num certo momento, Otávio e Tião se enfrentam. Cada um está convencido de fazer a opção correta. Não tem acordo entre o pai e o filho.
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Em resumo, é esta a história de uma peça de teatro intitulada “Eles não usam black-tie”. Ela foi escrita, no ano de 1958, por Gianfrancesco Guarnieri (1934 – 2006).
Talvez você tenha conhecido Gianfrancesco Guarnieri. Ele foi ator em novelas de Globo. Aliás, sua participação em novelas quase faz esquecer que também atuou em cinema, escreveu teatro e foi poeta, além de exercer o cargo de secretário de cultura da cidade de São Paulo, nos anos 80.
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“Eles não usam black-tie” é uma peça importante na história do teatro brasileiro. É uma das primeiras vezes em que a favela aparece no palco. Aí está a razão do título. Black-tie quer dizer gravata preta, ou seja, traje de gala, roupa usada por gente chique. As personagens da peça não são gente chique. Moram mal, trabalham muito e vivem tentando fazer o mês caber no salário. Mas não são pessoas tristes ou ressentidas. Como todo mundo, só querem viver melhor.
O conflito que vai para a cena não bota o bem de um lado e o mal do outro. Nada disso. Deixa frente a frente duas maneiras de pensar. Cada uma, com suas razões e com seus furos. Ambas defensáveis. Ambas questionáveis.
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Quem acompanha uma história como esta não fica convocado a tomar posição. Tem, isso sim, a chance de ver que nem tudo é preto e nem tudo é branco nesta vida. Não se trata de uma luta do bem contra o mal. Muitos elementos se misturam. É por isso que eu recomendo a leitura da obra.
“Eles não usam black-tie” pode dar chance para pensar na simplificação caolha que quer concentrar tudo de um lado ou tudo de outro lado, como sucede no pobre cenário político em que vivemos.
“Toda a unanimidade é burra” – disse Nelson Rodrigues.