No verão passado ela saracoteou no litoral – de Torres a Punta Del Este – com a mesma desenvoltura da Pequena Sereia do conto de Hans Christian Andersen. Bronzeou-se, exibiu o corpo bem cuidado, permaneceu imune aos candidatos a príncipe e ao final do veraneio torceu para transformar-se em espuma do mar, como reza a história das sereias. Mas o que aconteceu?
Pouco a pouco, embora o calor e sol abundantes, foi perdendo o tom dourado, enquanto os dias mais curtos apressaram as noites e, com elas, algumas madrugadas de terrível insônia. O problema não era dormir. Mas os pensamentos nestas horas. Culpas e carências batendo à porta, acelerando o ritmo cardíaco.
Definitivamente, a Pequena Sereia não se transformara em bolhas a retornar apenas na próxima temporada. Estava lá, viva, estranhando uma solidão que não parecia incomodar em outonos passados. “Estou envelhecendo da pior maneira”, disse, sem muita convicção, porque, afinal, o espelho revelava um ar juvenil e saudável.
Mas as folhas secas, caindo no pátio do condomínio lhe enviavam uma mensagem que ainda não conseguia decifrar. Logo chegaria o inverno e havia se preparado para isso. Reservas em bons hotéis na Serra, uma viagem ao Nordeste, onde é sempre quente e a Sereia, quem sabe, ressurgiria por alguns dias. Mesmo assim, parecia vazio, não era tudo. Seu príncipe não a procurara?
Conversou com uma amiga e arrependeu-se de ter uma confidente sem miolos. “Está te faltando homem!” Como assim? Era uma divorciada feliz! Aprendera a conviver de forma independente, sem vínculos… ela, e os filhos que, neste ano, viviam no exterior em cursos de pós-graduação. Com eles conversava quase diariamente. Estava realizada ao vê-los independentes.
Seria isso? Com certeza não. Amores? Tivera uma oportunidade bacana com um descasado carente em Cidreira, mas o descartou educadamente. Antes disso, saíra com um amigo. Quase virou namoro sério. Mas o enjoo pelo recomeço a fez recuar. Enfrentara anos de adversidade criando filhos, trabalhando duro, sem apoio nas horas de crise e sem calor nos dias de frio.
Não reclamava de nada, nem guardava mágoas do ex-marido, um “simpático cafajeste”, como definia. Essa atitude até facilitava sua relação com o universo masculino. Era um escudo contra mancadas. E foi numa dessas madrugadas, na disputa entre a sereia e a mulher, que percebeu ser vítima da força instintiva que a empurrava à disposição por algum tipo de parceria.
Mas igual à sereia do conto, ao virar espuma, ainda no verão, conquistou o direito a uma espécie de purificação por bom comportamento e atitude madura diante da vida. Ainda sob o sol do verão, abandonou a tendência à impulsividade, iluminando a razão e lhe permitindo pensar com equilíbrio.
Assim domou as noites insones, a fera carente. Ao refletir, de uma forma bem racional, aliviava ressentimentos e aprendia a escapar das soluções fáceis, como a sugerida pela amiga, prisioneira do enganador canto das sereias.
Uma mulher madura – de corpo e alma – nunca está só. E se, por ventura, surgir alguém, uma paixão, essa não ocupará um espaço vago, criará outro, “novo e muito bem administrado”, garante. E aí, a Pequena Sereia voltará -feliz para sempre -, a seu antigo livro de contos.