É comum a gente ter a impressão de que não há desigualdade entre homens e mulheres no Brasil. A voz feminina tem encontrado poucas oportunidades de expressão. De modo que, até que os leões aprendam a escrever, a história será contada pelos caçadores – se é que vocês me entendem.
A impressão de que não há desigualdade acontece por várias razões. Uma delas, é que nos países latinos, como nos países orientais, a opressão das mulheres é mais fruto dos costumes do que do rigor da lei. Por exemplo, a legislação brasileira até incentiva que as mulheres participem do processo eleitoral como candidatas, mas a participação continua pequena. Dificilmente as mulheres se encorajam a concorrer e mais dificilmente ainda elas são eleitas e as causas disso são múltiplas. Para tornar mais concreto esta observação, basta dizer que, em 2020, dos prefeitos eleitos no país, apenas 12,2% pertencem ao sexo feminino.
Outro fato é que a noção de que ser mulher é menos pode estar misturada com preconceito de cor, de classe social, de idade, e isso dificulta o entendimento mais claro da situação.
Mas vamos colocar os pingos nos is. Segundo o Fórum Econômico Mundial, entre 146 países analisados, o Brasil ocupa a 94ª. posição em termos de igualdade de gêneros. Ou seja, a desigualdade é um dado real.
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A desigualdade pode passar despercebida, porque está tão fortemente entranhada na nossa cultura que parece normal, natural.
Desde a mais tenra idade ouvimos dizer que as mulheres são “cabeças de vento”, que as mulheres são dadas ao descontrole emocional, que estão sempre à beira de um ataque de nervos. Conhecemos a associação de figuras femininas com fraqueza moral e com maldade. Sabemos de cor histórias de madrastas e de bruxas más. E também condenamos a devassidão das prostitutas. Todos já vimos figuras que representam a morte como uma mulher vestida de preto com uma foice na mão. E olhe que nem vou lembrar de Eva, no livro do Gênesis!
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Cabe admitir que, entre os casais, é mais comum as mulheres terem o direito de ser sustentadas. Mas isto pode acabar sendo uma duvidosa vantagem. Tem o potencial de levar a uma dependência que deixa a beneficiária sem autonomia e sem poder de decisão. Também pode levar a mulher a assumir uma grande carga de trabalho não remunerado – situação que impossibilita o acesso a outras oportunidades de desenvolvimento pessoal.
O espaço é pequeno para um assunto tão complexo. Mas não dá para esquecer a contribuição que as próprias mulheres dão para a manutenção da desigualdade. Frequentemente a autoestima é frágil, assim como é frágil a confiança na capacidade própria para enfrentar os desafios da vida fora do abrigo doméstico. Os homens aprendem desde pequenos a peitar desafetos e a encarar disputas. É um treino valioso. As mulheres ficam aparentemente mais protegidas.
Não raro acabam vítimas dessa proteção. A proteção que desprotege.