Ele: “tu precisa de um sexo louco e descontrolado com um amante. Vai te fazer bem.”
Ela: “é tentador …”
Ele: “é nada. Tu não quer! Fica fugindo.”
Ela: “tô não.”
Ele: “tá não o q?”
Ela: “não estou fugindo … ora!”
Ele: “então… diz que topa. Diz que topa….”
Ela: “Topo!”
Essa conversa, assim como está, foi acompanhada, em uma espécie de cena de filme, tipo a sequência erótica de 50 Tons de Cinza, por um terceiro personagem, não desses que gostam de bisbilhotar textos picantes, mas por um personagem involuntário – um marido em estado de choque. Não são apenas os jovens a expor fantasias e desejos íntimos nesta grande rede virtual. A turma graúda também anda a fazer das suas estripulias nos aplicativos do dia-a-dia, não apenas no OnlyFans. E depois, muitos deles, ainda saem a pregar moral, literalmente de cuecas e calcinhas.
Distraída, a esposa utilizara o computador no escritório do marido e não percebera que o bate-papo, sempre tão prático, nunca fora apagado no Messenger. É claro que a conversa tinha detalhes muitos mais íntimos, incluindo o envio de fotos. Ambos queriam uma aventura que os acordasse da dormência de seus respectivos casamentos. Esta seria a grande vantagem de um “rolo” sem compromissos.
Com toneladas de conversas explícitas gravadas – a maioria impressa no bom e velho papel – o esposo foi cobrar explicações. Em seu momento mais irado, pensou em distribuir trechos aos amigos em comum, via WhatsApp. Ficou com medo da reação, especialmente na sinceridade das manifestações de apoio ou crítica. Naquele momento desconfiava de tudo e todos.
Mas ao conversar com ela, que desabou em choro e depressão, recuou. Passou a sentir-se uma espécie de marido frouxo, desatento. Sabia de outros casos iguais, com situações absurdamente semelhantes. Era mais um a enfrentar o lado perverso das redes sociais e da alma humana. No desespero confidenciou detalhes – nem todos – a um único parceiro. É uma dor difícil de lidar sozinho, engalfinhado em pensamentos turvos e malvados.
Esse sugeriu o juízo que ela não tivera. E aconselhou diálogo e uma nova aliança para dar sequência ao relacionamento. Lembrou que antigamente, o mundo masculino traía livremente enquanto as mulheres praticamente isoladas em casa, tinham mais dificuldade para armar jogos desta natureza. “Mesmo assim, sempre existiu o leiteiro, o entregador de jornais simpático ou um vizinho atencioso demais”, acrescentou o amigo conselheiro.
Nos dias de hoje, a liberdade é igual para eles e elas”, concluiu. A conversa pouco resolveu e lá voltou ele a remoer seu drama. Percebera que uma relação à dois, não se resolve só com a ajuda de terceiros. É um quebra-cabeças de infinitas peças. E se uma, vital para fechar a montagem, se perdeu roubada pelo intruso invasor?
Quanto mais conversava, mais se confundia. O ruim de tudo era a devastadora dor, alimentada pelo ressentimento temperado no sal ardido da estima. Tudo, no trabalho, na rotina da academia que tanto curtia, nos momentos sozinho lhe traziam, de volta, aquele diálogo e a sensação do chão a sumir e seu corpo mergulhado em um lodo escuro. Como não percebera que o relacionamento estava ruim? Como chegara a tal ponto? Para ele, até então, eram um casal perfeito, sem problemas, inclusive na cama.
De pior forma, percebia que os aplicativos que ligavam amigos, família e até a sacanagem de vídeos pornô, também permitiam essas escorregadas entre casais. A esposa implorou para que a relação fosse retomada, ela o amava acima de tudo. Ele não duvidava disso. Mas amor é uma coisa, um contrato, mesmo verbal, é outra. Se ela desejasse ser uma nova Simone de Beauvoir que tivesse deixado isso bem claro antes. Agora o encanto, a alegre confiança na relação balançava.
Por via das dúvidas sacou, da escrivaninha, uma edição antiga de Madame Bovary, que tanto o impressionara na juventude, presente de um tio solteirão. O que lhe salvaria nessa hora? A vista bonita de uma vida a dois, confortável, ou o entendimento de que, às vezes, mais vale a pura emoção? Fechou a porta sem um único ruído, como sem querer acordar a própria consciência. Saiu, mas não disse adeus.