O estribilho de uma canção antiga garantia com solene certeza que a vida é viagem, a vida é viagem, a vida é viagem. A mesma ideia aparece na canção de Jorge Drexler – o famoso artista uruguaio (outro desses uruguaios notáveis…) Na canção “Movimiento”, Drexler diz que “somos una especie en viaje/ non tenemos pertenencias, sino equipaje”.
Pois aqui está uma provocação interessante.
Como ficaria se acreditássemos mesmo que a vida é viagem? Como seria se a gente pudesse agir como quem está simplesmente a caminho e vai saltar logo ali?
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Acho que a primeira consequência apareceria na bagagem. Vê só. Quem viaja bastante sabe que menos é mais. Ou seja, quem menos bagagem carrega, melhores chances tem de diminuir os perrengues. Todo mundo já viu viajantes suando e bufando com malas abarrotadas, arrastando os inúteis bagulhos, só pelo prazer de se sentir dono deles.
Pensando assim, outra pergunta pode ser feita também: quanto peso desnecessário carregamos ao longo da vida? Quanta dor mal curada fica por aí atravancando na alma, disfarçada de insônia/gastrite/etc?
Se tivéssemos claro que a vida é viagem, a importância de cada momento ficaria mais aguda também. O instante que passa ganharia o peso de joia. “Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio”, diziam os antigos, confirmando a noção de que o momento que foi não volta jamais. Uma viagem não dura pra sempre. Mais um ponto: o aborrecimento de agora perderia importância, pois confiaríamos nas atrações que ainda estão por chegar, talvez, já na volta da esquina.
Outra consequência apareceria no grupo escolhido para acompanhar a jornada. Viajar em boa companhia é melhor que sozinho. Neste caso, a despesa fica menor e o prazer de uma vista bonita se multiplica. Se forem muitos os amigos legais ao redor, viva! Até o roteiro chinfrim parece uma festa. Mas o reverso é verdadeiro também. Não há ambiente com charme capaz de vencer a companhia desastrada. Melhor só do que em má acompanhia, diz o povo, com a sabedoria peculiar.
Se não houver amor, não te demores.
E o que pensar, então, de deixar que alguém decida o itinerário por nós? De terceirizar nossas escolhas na vida? E o que pensar de quem acredita não ser possível mudar o mapa traçado uma vez? Digam aí, como seria viajar sem querer as surpresas? Sem reconhecer a emoção de encarar ares novos? Como abrir mão de inventar os caminhos?
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A vida é viagem, a vida é viagem. A velha canção acende perguntas variadas. Há milhares de opções de resposta. Mas que ninguém chegue ao fim da viagem (da vida), pensando que o espetáculo foi mixuruca demais. Ou que o preço cobrado foi quase um absurdo, se comparado com a paisagem tão ordinária, abafada e pequena…