Preservarei a fonte. É o mínimo que posso fazer. Como você, leitora, agiria caso o parceiro tudo de bom – apaixonadíssimo – sofresse de uma brutal dificuldade em desvencilhar-se de ex-namoradas, ou pior, de companhias do tipo “se-você-estiver-afim-também-estou”. A amiga que me confidenciou a sua angústia amorosa, apelidei de “Afogada em Aflição” (bem ao estilo das cartas-resposta dos antigos conselheiros sentimentais). O casal não vive uma relação aberta que, igualmente, não dispensaria diálogo e transparência. Mas ela se esforça em acreditar na fidelidade do moço.
Mesmo assim, não suporta vê-lo gentil e aveludado com, por exemplo, a ex-patroa que inconformada com a perda “de um funcionário tão competente, tão eficiente, blá, blá blá” para outra empresa, liga mensalmente com a desculpa de pedir conselhos, dicas profissionais. Saem para almoçar e o tema, jura o namorado de Afogada em Aflição, se resume aos intrincados processos que “somente ele poderia resolver”. Ao final de cada encontro, a bandida ainda diz que o deseja de volta ao escritório. Ah! o desejo!
Tem também aquela amiga, empresária do setor do vestuário que mora na Serra. Inteligente, foi parceira dele nas horas difíceis. Tão solidária que certa vez, chegou ao extremo de “presentear” o rapaz com preservativos em cores e sabores exóticos. Ele recusou, reclamou que não misturava as coisas. Não poderia levar a um motel uma grande amiga, argumentou. Outra, bem mais madura, ofereceu um apartamento que “afinal de contas estava desocupado”. Assim poderiam ter mais “intimidade”. Dessa vez ele se ofendeu, mas acabou aceitando o pedido de desculpas.
Ao conhecer “Afogada em Aflição” os contatos do rapaz com as amigas diminuíram. A relação prosperou. Mas os almoços, as longas ligações com a ex-patroa continuam firmes. Aquelas com perfil mais ousado, quando se aquietam o deixam saudoso, como se as houvesse maltratado. Manda cartões em datas especiais, troca mensagens. Diz que são importantes, cada uma à sua maneira, e sem nenhuma maldade. Um sedutor não assumido, enfim. Vocês leitoras, como agiriam? Aceitariam?
Afogada em Aflição tenta racionalizar. Lembra a infância difícil do companheiro. O relacionamento com a mãe não era dos melhores. Levava surras sem justificativa. Era tratado com desprezo. Pouco antes da morte dela, haviam se reconciliado. Mas as marcas permaneceram. Talvez por isso não consiga livrar-se de relações que, de alguma forma, o levam à fantasia de intimidade quase uterina, sei lá. Só Freud para explicar. As mulheres percebem e provocam – se fazem ora maternais, ora sensuais.
A gota d’água, aquela que encheu o pote de inconformidade de Afogada em Aflição aconteceu na semana passada. Ele sonhou que namorava a atual chefe. Andavam de mãos dadas! Detalhe: ele jamais lhe dá a mão em público. Diz que é brega. A nova patroa – por sua vez – é uma mulher forte, dominadora. Ao contrário da anterior, não valoriza almoços de confraternização com funcionários. Ele até se esforça para ser merecedor de reconhecimento e algum tipo de carinho. E nada! Quer ser talvez o funcionário especial, o mais querido.
“Afogada em Aflição” sofre em meio a tudo isso. Será que ambos não poderiam ter amigos comuns, sem misturas explosivas de segundas intenções? No caso dela, os ex-namorados, os candidatos a amantes ficaram no passado. Por que então, escolheu um cara tão servil às mulheres? E aí fica a se questionar de como reagir diante dessas situações. Tentei minimizar a situação, lembrando a citação de uma colega nos dias de redação. Toda a vez em que eu reclamava de algo ou alguém em especial, ela me alertava: “A vida não é um moranguinho”. E mesmo que o fosse, morangos mofam rápido demais.
Assim, aconselhei minha confidente a manter a estima em alta e investir na paixão sim, porque amar é bom. Mas tendo sempre à mão, um bilhete de ida sem volta, caso as amigas deste parceiro tão gentil, incomodem mais do que o normal. Amor coletivo – quando não consentido – é como andar de ônibus nas horas de maior movimento. Muito suor, muito aperto e conforto que é bom, nenhum. Qualquer coisa, desça na primeira parada.