Os impactos da maior catástrofe climática do Rio Grande do Sul seguem bem presentes no meio rural. E a tendência é de que eles perdurem ainda por bastante tempo já que determinados ciclos agrícolas são mais lentos e há perdas de todos os tipos, desde culturas que estavam em desenvolvimento, até máquinas, implementos, casas, estruturas produtivas e animais. Como plantar e dar continuidade à atividade se até chegar na roça se tornou um desafio? Passados mais de dois meses, ainda há muitas áreas inacessíveis por conta da camada de lama que ficou depositada, o que impede o manejo do solo. Além disso, em todo o interior atingido as estradas ficaram comprometidas ou sumiram, o que impede o deslocamento das máquinas agrícolas. As condições da estrada são o principal entrave para o plantio de trigo na propriedade de Maico Gerhardt, na localidade de Cascalheira, Arroio do Meio.
Experiente, sabe que a época ideal para o plantio já passou, mas avalia que mesmo que não tenha uma produtividade boa e talvez nem valha a pena colher, a palha vai ser importante para recompor e preparar o solo para a plantação seguinte. Para ter acesso a lavoura que deseja plantar precisa que a estrada que dá acesso seja refeita, já que ela praticamente sumiu, ficando apenas os buracos de grande profundidade feitos pela correnteza. O produtor afirma que já fez o pedido na prefeitura e reclama de não ter sido atendido, observando que a estrada, beneficiaria outros vizinhos que estão na mesma situação. “Precisamos de uma máquina, uma escavadeira, para tapar os buracos e refazer a estrada. Nem precisa material porque na roça tem saibro. É só pegar de um lado e colocar nos buracos e vamos ter de novo a estrada. Não é um serviço demorado, mas sem uma máquina não tem como fazer”, afirma, salientando que há outras estradas nas propriedades próximas que também carecem de serviço de máquina pesada. “Tem uma parte que a água lavou, que é preciso melhorar a terra. Temos o esterco para colocar, só não temos acesso”.
Maico, que também possui uma empresa de prestação de serviço agrícola, lamenta que a agricultura não seja valorizada, em especial no processo de reconstrução pós-enchente. Entende que os prejuízos na área urbana são expressivos e que os esforços estejam concentrados neste segmento, mas pontua que no meio rural as perdas são ainda maiores e praticamente não houve auxílio. “Sinto que ficamos esquecidos até na distribuição das doações e cestas básicas. Tudo é muito concentrado na área urbana, mas Arroio do Meio é grande e tem muita gente no interior que também foi afetada. Estamos desde setembro esperando ajuda.”
Ele, assim como outros produtores rurais, aguarda alguma medida governamental que venha para mitigar as perdas. Diz que para a agricultura tudo é bem-vindo, desde o trato para os animais, ou ureia, sementes, adubo, e afirma que se vier dinheiro vai investir no solo. Estima que será necessário pelo menos um ano até ter condições de fazer uma safra boa. Isso se as condições do tempo ajudarem. “Em setembro perdi o milho que tinha plantado. Em novembro, como já tinha a previsão de enchente não plantei. Depois consegui plantar o milho safrinha, mas ele não se desenvolveu bem e a silagem ficou de qualidade inferior. Em dois anos só vou conseguir fazer uma safra”. Para além da questão na propriedade da família, já que o irmão Ismael Luís Gerhardt mora próximo e tem uma área de plantio ainda maior, Maico aponta que os negócios na prestação de serviço também estão prejudicados por causa da enchente. Tanto os caminhões que transportam dejetos, como as máquinas agrícolas, estão praticamente parados.
“No mês passado não tirei nenhuma nota. Não teve serviço porque além dos estragos da enchente, o tempo não colabora, só chove. Tenho três funcionários e mantive o salário em dia”, dimensiona, avaliando que apesar do momento ruim, acredita na retomada e por isso não pensa em dispensar os profissionais. Danos expressivos De acordo com o relatório dos impactos das chuvas e cheias extremas em maio no RS, elaborado pela Emater-RS/Ascar, 9.158 localidades foram atingidas, impactando significativamente em construções e estradas. O levantamento também apontava problemas para o escoamento da produção de 4.548 comunidades em razão de estradas vicinais afetadas, destacando a urgência de investimentos em reconstrução e reparo da infraestrutura para restaurar o acesso e a conectividade em áreas rurais, essenciais para a recuperação econômica e social das famílias afetadas.
Foto: Jaqueline Manica