A leitura dos autos do processo para o jovem juiz da comarca interiorana às vezes parecia um romance clássico de algum escritor renomado. Outras vezes tomava ciência de graves fatos que deveria julgar, acostumando-se aos poucos às tragédias e crueldades de que é capaz o ser humano,
Nas audiências que presidia fazia a coleta da prova necessária para embasar seu julgamento. Assistia curioso o desfile de pessoas simples ou instruídas, cada uma com seu linguajar próprio em seus depoimentos. Devia conduzir de forma firme mas respeitosa àqueles que vinham prestar sua colaboração à justiça, administrando o conflito de interesses e contendo o entusiasmo excessivo dos advogados na defesa de seus clientes.
Em algumas ocasiões torna-se difícil conter o riso ante a simplicidade e a sinceridade da vítima, mesmo ante um fato que inicialmente parecia grave.
A acusação de estupro de uma donzela pesava contra o quase ancião. A denúncia narrava que havia mantido relação sexual com a vítima ao encontrá-la sozinha, no fundo da estância, em uma localidade do interior do município. O acusado admitiu o fato mas alegava que o sexo havia sido consensual pois há tempos vinham se olhando de longe.
Comparecendo, a suposta vítima, perante o juiz, este pediu-lhe delicadamente que narrasse de forma objetiva o que realmente havia ocorrido.
Explicou a moça que morava em uma casinha próxima à sede da fazenda do acusado e que este havia abusado dela quando foi buscar água em um poço atrás da casa. Questionou-lhe o juiz – pois a alegação do réu é que o sexo fora consensual – se não havia resistido com socos ou golpes ao assédio do acusado.
Respondeu a vítima, com toda a sinceridade, que não pôde fazer nada para repelir o acusado, pois estava com a lata de água na cabeça!
Absolvido o réu, passou o jovem juiz a examinar um caso de lesões graves em que eram acusadas duas mulheres.
O inquérito policial, muito bem instruído pelo delegado, historiava um triângulo amoroso ocorrido na periferia da cidade.
Segundo a narrativa, acompanhada pela prova testemunhal colhida e o auto de exame de corpo de delito, a primeira acusada desconfiava de uma relação amorosa de seu companheiro com outra pessoa.
Contando com ajuda de uma amiga, foi até a casa da mulher e interpelou-a sobre o fato. Tendo essa confirmado o relacionamento, as duas subjugaram a mulher, despiram-na e injetaram pimenta malagueta em sua vagina.
Com dores horríveis e gritando de forma desesperada, foi ela conduzida ao hospital da cidade para ser socorrida, antes de dirigir-se à delegacia de Polícia para o registro da ocorrência e exame das graves lesões sofridas. Comprovadas as graves lesões pelo exame do perito e confessado o fato pelas acusadas, só necessitou o jovem juiz fixar a pena condenatória.