Mário Quintana, que eu saiba, jamais teve qualquer um de seus poemas musicados para o Carnaval, mas como quero falar de carnavais ternos, meigos e inesquecíveis, Quintana empresta-me as últimas quatro palavras da manchete de hoje: “Estrada afora após segui, mas aí, embora idade e senso eu aparente, não vos iluda o velho que aqui vai; eu quero os meus brinquedos novamente, sou um pobre menino, acreditai, que envelheceu um dia, de repente…”
Sem querer, Quintana estava, também, se referindo aos carnavais ternos e meigos, principalmente os que ocorreram depois da segunda metade do Século XX até o início do Século atual.
Os carnavais do passado não eram melhores do que os de agora, suponho, mas traziam no seu bojo uma coleção de belos sentimentos, tanto que os foliões já iam para os salões sentindo-se pierrots apaixonados, prontos para falar de amor àquelas belas colombinas.
E declarações de amor nos carnavais de então, tinham um único mensageiro: a marcha-rancho, pela qual todos os apaixonados eram também tomados de amores.
Havia, por exemplo, os que pediam uma segunda chance, como disse Dalva de Oliveira em Bandeira branca. Aqui, o trecho final: “Saudade, mal de amor, de amor, saudade dor que dói demais, vem meu amor, bandeira branca eu peço paz.”
Assim como todos os tangos falam de tragédias, todas as marchas-rancho falavam de amor ou de sentimentos elevados, nobres. Uma das mais lindas contava a estória de um grão de areia que se apaixonou por uma estrela. Mário Pinto e Paulo Soledade imaginaram tudo assim: “Um pequenino grão de areia, que era um pobre sonhador, olhando o céu viu uma estrela e imaginou coisas de amor. Passaram anos, muitos anos, ela no céu, ele no mar, dizem que nunca o pobrezinho, pode com ela encontrar. Se houve ou se não houve alguma coisa entre eles dois, ninguém soube até hoje explicar; porém é bem verdade que depois, muito depois, apareceu a estrela-do-mar.”
Conheci pessoas que, naquela época, no auge dos seus 10, 12 ou até mesmo 15 anos, choravam imaginando se os dois, um dia, teriam realmente se encontrado.
Com uma mensagem de grande significado, Geraldo Vandré – um dos melhores compositores brasileiros (Caminhando e cantando e seguindo a canção…) – fez uma letra emotiva para uma marcha-rancho empolgante, Porta-estandarte (aqui, um trecho): “Eu vou levando a minha vida, enfim, cantando e canto sim e não cantava se não fosse assim, levando, pra quem me ouvir, certezas e esperanças pra trocar, por dores e tristezas que bem sei, um dia ainda vão findar, um dia que vem vindo e que eu vivo pra cantar, na avenida girando, estandarte na mão pra anunciar.”
Noel Rosa e Braguinha compuseram Pastorinhas. Se você é daquela época, certamente lembra do verso inicial: “A estrela d’alva, no céu desponta e a lua anda tonta, com tamanho esplendor, e as pastorinhas pra consolo da lua vão cantando na rua lindos versos de amor.” Esta música, até hoje mexe com as emoções de muita gente.
Autores de uma marcha-rancho que se tornou imortal, David Nasser e Jota Junior cantaram: “Confete, pedacinho colorido de saudade, ai, ai, ai, ai, ao te ver na fantasia que usei, confete, confesso que chorei.” Confetes são indispensáveis até hoje.
Zé Ketty e Pereira Mattos entraram para a História do Carnaval com “Máscara negra”. Os versos finais: “Na mesma máscara negra, que esconde o teu rosto, eu quero matar a saudade, vou beijar-te agora. Não me leve a mal, hoje é carnaval.”
E com a acelerada final neste último verso, “vou beijar-te agora…” deixo o carnaval para os mais entusiasmados por ele, despedindo-me da Marcha-Rancho com um agradecido adeus!