Bagé, 1950.
A sala-de-visitas daquela casa humilde de família do interior estava lotada de parentes, amigos e conhecidos.
Tratava-se de um velório e o clima de respeitoso silêncio traduzia o quanto o falecido era estimado.
Lá pelas tantas, o movimento um pouco maior junto à porta da entrada anunciou a presença de um recém-chegado, que tentava se aproximar do centro da sala, ao mesmo tempo em que procurava inteirar-se de detalhes do que havia ocorrido.
Pergunta daqui, pergunta dali, força a passagem um pouco adiante e, com tudo isso, sua voz vai crescendo em sofrimento, tom e volume.
– Do que morreu o compadre, do que? – perguntava e sem esperar resposta foi se aproximando do morto.
– Do que morreu o compadre? – gritou, olhando em todas as direções.
Foi quando uma voz tremida de mulher avançada em idade, cortou o silêncio da sala e anunciou:
– Morreu de vesícula!
As cabeças todas da sala moveram-se em sinal de confirmação, como se a dizer “isso não tem remédio, não é mesmo?”.
A cena que descrevi foi contada pouco tempo depois, por um amigo de meu pai. Eu estava com 10 anos de idade e lembro que durante algum tempo fiquei entre curioso e impressionado: o que será essa tal de vesícula?
Entre as muitas perguntas que eu gostaria de fazer, essa logo perdeu a importância e o assunto se foi com ela.
Cinco décadas depois, ao entrevistar um cirurgião no Programa Consultório Médico, no Canal 20-NET, fiquei sabendo que, por vídeo-laparoscopia, ou seja, com duas incisões de meio centímetro, se poderia extirpar uma vesícula, por mais “pedras” que tivesse, no máximo em meia hora, em procedimento ambulatorial, com anestesia local e liberando o paciente, no máximo em quatro horas.
Estou abordando esse assunto com uma intenção muito clara: falar de ônus e bônus.
A carga de tensão e negatividade transmitida pelo noticiário de rádios, jornais e tevês, diariamente, cumprindo seu papel de informar a trajetória da violência, é o ônus. Preço cobrado pelas mudanças sofridas no comportamento de boa parte das pessoas, pela permissividade da época e pela impunidade que a cada dia se mostra maior e mais inquietante.
O bônus é o extraordinário avanço da Medicina, capaz de fazer os doentes mais crônicos e desenganados sonharem com a luz do sol em plena cegueira, caminhadas à beira-mar mesmo se afetados pela paralisia e reversão de tumores malignos, ainda que seus efeitos já se tenham produzido.
As pequenas conquistas já permitidas pelas células-tronco adultas, totalmente liberadas e a expectativa do uso ora em discussão, das células-tronco embrionárias, que espero tenham sua utilização liberada, conduzem as mentes mais sofridas aos pensamentos e desejos mais libertadores.
Pelo que já se pôde comprovar, é lícito esperar quase o máximo da Medicina e dos Médicos, estes anjos a serviço de uma causa superior.
Ou não dá para inverter o ditado e simplesmente anunciar: Deus dará o cobertor conforme o frio?