Sou fanático por jornais. Leio praticamente tudo o que inclui anúncios, editais, até o horário de fechamento da edição, ou seja, o horário em que o jornal começou a ser impresso. Neste vício se inclui a leitura de obituários. Antes que me considerem mórbido, explico. Neste resumo de biografias surgem detalhes de vidas inspiradoras. São exemplos de humanismo, dedicação à comunidade e família ou de solidariedade. Através do obituário conheci uma senhora que morreu aos 80 anos, residente em Maratá, comunidade do Vale do Caí que lecionou até os 70 anos. Filhos contam que o amor pelo magistério transformou a casa em local de encontro de alunos a quem ela ensinava a nadar em uma cachoeira. Ela legou ainda o gosto pelos cuidados de jardinagem da gruta de Nossa Senhora de Lourdes. Incansável, também dava aulas de crisma. Uma heroína que certamente sequer virou nome de rua no município. Outro personagem, um médico de 85 anos, foi obrigado a parar de estudar cedo para sustentar a família. Quando já tinha esposa e filhos, finalmente colou grau em Medicina.
“Ele tinha que trabalhar, por isso não ia às festas com os colegas de faculdade”, relatam amigos de curso. Já um engenheiro morto aos 76 anos era filho de pais poloneses que estiveram nos campos de concentração nazistas. “Ele era acolhedor, um pai dos amigos, das pessoas de suas relações e também dos colegas de trabalho”, relataram pessoas próximas. Em julho de 2023, o obituário de Zero Hora contou a história de um assistente social que morreu aos 92 anos. “Deixou em vida um legado de amor e união e nos deixou uma mensagem: ‘Não esqueçam que fui uma pessoa feliz!’”, contou a filha. Os obituários têm como personagens pessoas anônimas, de vida simples com legados inspiradores. Como dona Maria Annita, que partiu aos 95 anos.
“A mãe era dedicada às tarefas domésticas. Lavava roupa como ninguém! Fazia doces, cucas e tinha uma horta onde plantava de tudo e tinha tempo para acompanhar meus estudos”, segredou o filho. Já dona Maria, que tinha 93 anos ao morrer, aprendeu a lidar com o luto e a transformar a tristeza em saudade. É, sem dúvida, uma grande lição de vida. Nenhum destes personagens foi perfeito. Para familiares e amigos, no entanto, estas trajetórias serão lembradas para sempre. E cada vez mais valorizadas neste mundão de Deus onde viceja intolerância, egoísmo, ostentação e a falta de humildade. O obituário é uma homenagem sincera a todos que fazem da vida a oportunidade de fazer o bem. E para construir uma biografia em que os episódios positivos superaram, de longe, pequenas deformações comuns ao ser humano.