Quase toda a semana tomo um café no estabelecimento de um rapaz que passou a infância em Três Saltos, interior do interior de Arroio do Meio, que é um município do interior. Como aconteceu com muitos da região, ele saiu da roça gurizote, em busca de oportunidades. Neste caso, o destino foi o armazém de um parente, em Porto Alegre.
Só o rapaz e Deus sabem quanto esforço esse movimento demandou. O que todos enxergam é que,
passados os anos, ele conseguiu também ser dono de um armazém. Mais adiante, foi capaz de ampliar o negócio e acrescentou uma padaria/confeitaria. Depois, um açougue. Depois, um café e, bem recentemente, um restaurante que serve almoço de segunda a sábado.
Tudo está mais fácil agora, porque os produtos que vende, ele também transforma em comida e o custo da operação resulta competitivo.
Não sei onde vai parar o moço de Três Saltos. O que sei é que ele já deu mais do que três saltos na sua vida. Veio do mundo rural, aquele no qual as crianças vivem em sintonia com a natureza: os pés sofrem com o frio do inverno; o corpo sufoca com o calor do verão. Desde sempre essas crianças sabem cuidar das frutas e das verduras. Reconhecem as laranjas melhores e também as espigas de milho, as cebolas, etc. Têm intimidade com os mistérios da multiplicação dos animais e avaliam a qualidade da carne só com o olhar.
É claro que este saber vale muito ao moço de Três Saltos. E vale, principalmente, a dura aprendizagem da infância, a época em que ele aprendeu que o trabalho é o único meio capaz de mudar as coisas. O único! Nada chega de graça. É preciso arrancar no muque. Sem descanso.
Pois nesta semana conheci a filhinha do rapaz
de Três Saltos. Ela anda pelos três anos de idade. A menina passava o tempo no armazém, provavelmente em função de algum imprevisto na escola. Eu fiquei observando.
Sentada junto a uma mesa, manejava um iPad. Grudada na tela, sorria ou fazia ar de susto,
respondendo às imagens que via. Nem uma vez pediu para atravessar a rua e brincar
na pracinha que fica defronte. Aliás, se alguém tivesse convidado, é possível que ela recusasse. O mundo que vinha pelo iPad parecia suficiente.
Perguntas que ficam:
– Como medir a distância entre a infância do pai e a infância da filha?
– Haverá chance de a menina herdar o patrimônio do saber que o pai
amealhou ao longo da vida?