Da porta da minha casa até a urna onde voto são exatos 139 passos. Abençoada mini-distância que percorro tomado por certezas e interrogações. Afinal, estou participando de uma festa da democracia. Governo do povo, pelo povo e para o povo, todos com direitos iguais.
Será mesmo? Todos votarão no que entendem ser melhor para a cidade? Reviso meus votos para prefeito e vereador e concluo que sim. Mas segue o desfile de autoperguntas:
Será mesmo uma festa da democracia? Votar em um país no qual 52% da população está endividada, como nunca esteve, qual será a origem dos votos que daí advirão? “Pergunta boba”, me recrimino, para logo em seguida enfileirar outras, não tão bobas assim.
Que democracia pode existir, quando as pessoas são obrigadas a votar na sobrevivência, que não tem nome, nem número, mas muitas vezes tem cesta básica? Lá se vai minha habitual alegria quando penso nos que votam na esperança de sair da relação dos endividados, graças à possível eleição do “amigo-candidato” e da prometida “boquinha”? Terá ele projetos que permitirão melhorar a cidade?
Lembro da notícia da eleição passada de pessoas que seriam transportadas “no escuro”, tipo aposta na mega-sena, que se faz contando com a sorte: o prêmio delas seria de dez reais, pagos depois de votarem em um número revelado na hora. Dez reais, garantia de dois pães diários no café da manhã, durante dois meses.
De que democracia estamos falando, afinal?
A cidade perde quando a dificuldade vota. “Candidatos” são o “emprego” do marido, a “vaga” do filho, a “chance” da nora, o “nome” na lista, a “boca” no gabinete…
A cada voto desses, no sufoco, lá se vai uma escola, fica um esgoto a céu aberto, permanece a insegurança, eterniza-se a falta de uma Saúde melhor.
Democracia é isso?
Sei que a resposta é não, mas a pergunta insiste.
Na escadaria, passo por uma aparentemente aliviada eleitora. Entendi que ela havia cumprido bem sua missão.
Teria votado na qualidade ou na necessidade? Levei dois segundos para aplaudí-la mentalmente, independente do voto. “Não se deve exigir de alguém que dê mais do que pode”, concluí.
E fui para a urna, já sabendo do resultado: de acordo com as pesquisas, não haverá segundo turno.
Digito os votos e mentalizo: ainda participarei de uma eleição na qual os projetos vencerão o desespero. Nesse dia, a maioria já terá compreendido que o bolo da dificuldade se engole aos pouquinhos. Como sugeriu Robert Louis Steveson, na frase que dá título à matéria de hoje.