Acordou no maior suador. A seu lado uma morena bonita ressonava. Atordoado, a cabeça doía, abriu a gaveta do criado e no lugar de aspirinas, dezenas de notas fiscais, contratos esquisitos.
Deu-se conta que estava completamente nu, correu ao roupeiro e ao abrir a gaveta, outro susto: cuecas e meias, repletas de dólares meticulosamente enrolados. Vestiu a primeira roupa que encontrou, queria sair o quanto antes de casa. Olhou para a rua onde dezenas de fotógrafos e microfones o aguardavam. Como explicaria aos vizinhos a presença daquela mulher? E os dólares entre cuecas? “Acorda, acorda!” implorou ao subconsciente.
De repente, um outro personagem irrompe pela porta dos fundos. Pergunta se tem câmaras na sala ou escuta nos telefones. Eu? Eu sou apenas um cidadão comum! Desconfiado, o personagem confirma que depositara na conta de um laranja quantia suficiente para um bom período de férias em qualquer lugar do planeta. O homem que se dizia “lobista” pediria apenas alguns favores em troca deste favor. Indicações, assinaturas, liberações de licenças. Coisas simples, que afinal das contas apenas travavam o desenvolvimento da nação.
Pesadelo ou alguma espécie de paraíso amoral. Era tudo tão fácil que já não queria acordar. Afinal, a vida real era seu verdadeiro pesadelo. Como bom cidadão brasileiro já fora assaltado, sofrera ameaças de sequestro via telefone, tivera as contas bloqueadas não pela ação da justiça, mas por ter estourado o saldo negativo, quem sabe chegara a hora de beneficiar-se destes recursos espíritas que costumam beneficiar apenas a grupos de colarinho branco?
Ele que morria de vergonha ao atrasar contas, que pagava seguro de carro, passagem para férias em 12 meses, o que o tornava praticamente sócio da agência de turismo e viagens. Seria ele, enfim, mais um a ingressar na ilha da suprema fantasia, da retórica esturricada de perjúrios e arrogância? Perguntava ao lobista aonde deveria assinar quando o telefone tocou insistentemente:
“Alô? É o senhor Silva? Por favor, aqui é a da operadora de seu cartão, essa conversa está sendo gravada…” Assim, de supetão, acordava para a realidade que pune, severamente, quem se atrapalha e mergulha no mar de juros e dívidas para, simplesmente, sobreviver. Sem direito ao perjúrio ou a liberalidade de foros privilegiados. Voltou a condição de um Silva qualquer, só que desta vez, não era mais anjo. Afinal, fora ao paraíso e voltara diabo.