Quem além do presidente, campeão de rejeição, ainda envia cartas? Quem consegue escrever à caneta, sem a facilidade dos teclados de um computador e expressar os mais sinceros e profundos pensamentos? Quem ainda tem em casa um bloco Aviador, com papel fino e macio para não pesar muito? Sim, as mensagens valiam pelo que pesavam. Quem aguardaria, pacientemente, por uma resposta à missiva, dependendo ainda de fatores externos, como a probabilidade de greve?
Sim, a empresa de correios brasileira é muito ágil na organização de paralisações e meio distraída na hora de entregar cartas. Não utilizo esse serviço nem para boletos de contas. É tudo por e-mail, ou direto no celular. O mundo se comunica por meio de aparelhos móveis. E as mal traçadas linhas, meu amor, se perdem no amarelo do tempo, junto aos lindos selos comemorativos.
Um dos grandes sucessos de Erasmo Carlos, no período da Jovem Guarda, depois relançado pelo Legião Urbana, “A Carta”, hoje, quem sabe, teria um mensageiro eletrônico, tipo o já quase em desuso e-mail, ou Facebook e Whatsapp. Práticos, imediatos, com chance de trocar palavras, frases inteiras por emoticons, aqueles rostinhos que exprimem as sensações que muitos já nem sabem como escrever sem separar o sujeito do verbo.
Roberto Carlos, lamentava na época, “Cartas já não adiantam mais, quero ouvir a sua voz”, hoje ele ouve, e se for safadinho, pode sugerir um “nude” à amada. Avanços que também criam problemas. As cartas eram mais íntimas. Hoje as gavetas eletrônicas são devassáveis demais. Pero Vaz de Caminha seria criticado pela realeza, em 1500, por usar um “textão” para anunciar o descobrimento do Brasil.
E se Caminha postasse nas redes sociais, entre elogios, é certo que receberia críticas cruéis. “Descobriu o que?”, ou “Isso é uma manobra para desviar o povo dos verdadeiros problemas da nação”. O Rei Dom Manuel, o Venturoso, seria constrangido com desaforos, certamente. A namorada do nosso rei romântico, se enviasse a tal foto sensualizando, poderia cair nas redes por acidente ou maldade.
O que eu digo é que as cartas iam além dos relatos cotidianos. Carregavam um conteúdo afetivo, um certo cuidado no estilo. Sei lá, poderia contar mentiras, mas essas se filtrariam ou cairiam em contradição nas próprias palavras.
Fossem para uma amante, ou para um pedido de trabalho e principalmente, uma conversa com amigos, sempre havia espaço para uma citação filosófica, ou trecho de poema, coisas hoje foram trocadas à exaustão por power points chatos, ou “cards”, geralmente com frases edificantes, ou outras que derrubam o bom gosto, justamente por lhes faltar sinceridade.
As cartas são tão superiores aos rabiscos que hoje trocamos com amigos, aliás, com qualquer um, que diferentemente não serviriam para se juntar e transformar em livros, tal como aconteceu com Ernest Hemingway ou outros autores. Procurem nas livrarias e confiram. Vale a pena. Aliás a Feira do Livro de Porto Alegre está próxima. Apareçam!