No final de semana me atraquei a comer bergamotas, sem dó nem piedade, coisa que há muito tempo não fazia. A fruta nunca falta nesta época na minha casa, mas confesso que raramente mato a vontade com sofreguidão, como fiz no sábado.
Fui a um churrasco no sítio com amigos. São 11 hectares encravados no interior de Gravataí que têm três açudes, inúmeras árvores frutíferas, churrasqueira, piscina e vegetação exuberante. A dona do lugar, Cleusa Kerber, de reluzentes olhos azuis, comemorava aniversário e fomos em bando festejar.
Depois de um generoso café – com mesa farta e variada – fizemos um périplo pela área. Depois, fomos instruídos a avançar no pomar, repleto de árvores de onde pendiam bergamotas, laranjas de todo tipo, limas e caquis. Não me fiz de rogado: investi forte nos cítricos, recordando os bons tempos de piá, vividos no bairro Bela Vista.
Lá, num potreiro cortado por um pequeno riacho – que crescia assustadoramente em dias de chuva forte – passava as tardes com minha irmã, Neusa, e meu primos e primas, escalando árvores, comendo fruta de china, bergamota e laranja. À noite, a acidez dos cítricos enchia nossas línguas de aftas e o céu da boca “parecia em carne viva”, como diz a dona Gerti, minha mãe.
Revivi tudo isso no último sábado. São recordações que guardarei para sempre. À noite, em vez de aftas, ostentava arranhões nos braços produzidos por dolorosos espinhos de bergamoteira. Na cozinha de casa, uma travessa jazia lotada de frutas que capturei sorrateiramente antes de deixar o sítio. O dia foi perfeito: sol, parceria de amigos da melhor qualidade e churrasco “show de bola” do amigo Ylson. Fiquei com a alma lavada e enxaguada!
Sábado retrocedi 50 anos. Recordei momentos inesquecíveis,
amigos e episódios alegres… que fazem a vida valer a pena!
Quando mudei do bairro Bela Vista para “a cidade” – na Rua Dr. João Carlos Machado, esquina com Theobaldo Kaffer – havia bergamoteiras carregadas nesta época do ano. Fui vizinho do amigo radiotécnico, Cláudio Schmidt e fiz amigos: os seus filhos Marlene, Milton, Heitor e Morci.
Nos fundos de casa havia uma sucata de ônibus que tinha uma escadinha na traseira para acomodar as malas sobre o teto do veículo. Depois do almoço, em dias ensolarados e frios, enchia a camisa de bergamotas, subia no ônibus e me empanturrava. As cascas eram arremessadas em curva na direção dos pedestres. Eles olhavam atônitos ao serem atingidos pela “munição cítrica”, já que a farta vegetação encobria este meliante aqui, que ria enquanto devorava generosos gomos adocicados.
Eram “traquinagens de gurizada”, como diria uma antiga professora. A gente se contentava com pouco, nesta época em que a tevê era um eletrodoméstico acessório, inexistia internet e videogame era ficção científica.
No sábado retrocedi 50 anos. Recordei momentos inesquecíveis junto de vários amigos, que compartilharam das benesses deste sítio cinematográfico. Vira e mexe eles me olhavam para perguntar:
– Por que tu tá rindo sozinho? Ficou louco?
Sim, estava louco de feliz com as reminiscências que fazem a vida valer a pena e que revivem amigos, episódios, experiências e alegrias. Simples assim!