Depois de ler a última biografia que apareceu sobre Getúlio Vargas fiquei curiosa para conhecer melhor a sua companheira de toda a vida, Dona Darcy. Acontece que, mesmo se estendendo por três volumes e mais de 1500 páginas, o relato da vida de Getúlio reserva pouco espaço para falar sobre a esposa do presidente. Me intrigava saber como uma guria criada na pequenina São Borja teria se virado nas altas rodas do Rio de Janeiro.
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Pois eu andava ruminando essas curiosidades, quando encontrei um livro exatamente dedicado a falar sobre Darcy Lima Sarmanho, essa que se tornaria conhecida como Dona Darcy. O livro se intitula “Darcy, a outra face de Vargas”. Foi escrito por Ana Arruda Callado e publicado em 2011. É uma obra modesta, escrita a partir da consulta a uma bibliografia magrinha e baseada em entrevistas com um punhado de familiares e de amigos. Nem de longe pode ser comparada com a pesquisa exaustiva feita para escrever sobre Getúlio. Fiquei com a sensação de que Dona Darcy continua a merecer uma biografia mais qualificada.
Seja como for, o livro permitiu bisbilhotar a vida dessa mulher que nasceu no ano de 1895, em São Borja. Como Getúlio, ela era filha da elite local. Descendia de ricos estancieiros, gente que se envolvera na guerra do Paraguai e que mantinha forte envolvimento em todas as escaramuças políticas da história do Rio Grande. Na casa paterna, Darcy e suas duas irmãs tiveram toda a formação. Nada de colégio. Em São Borja nenhuma escola estava à altura das três filhas do Coronel Sarmanho. A coisa só podia ser diferente com o filho homem, Válder, único irmão de Darcy. Em casa, as meninas tinham aulas de português, aritmética, geografia, catecismo, música e francês.
A família viajava com frequência a Buenos Aires. De lá vinham os cristais, a prataria, os presentes para os amigos, tanto como os vestidos para a mulher e as filhas do Coronel Sarmanho. Foi numa festa na casa dos Sarmanho que Getúlio e Darcy começaram a namorar. Ele tinha 26 anos e já era deputado estadual, ela era uma garota de 13 anos. Dois anos depois, eles se casam. Viveram juntos os próximos 44 anos.
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Aos 23 anos, Darcy já tinha os seus cinco filhos: Lutero, 1912; Jandyra, 1913; Alzira, 1914; Manuel Antonio, 1917 e Getúlio Filho, 1918. Aos 28 anos, em 1923, muda-se com a família para o Rio de Janeiro, acompanhando o marido que fora eleito deputado federal, o caçula tem apenas cinco anos. No começo a família mora numa pensão modesta, sem banheiro privativo, compartilhando a casa com outros hóspedes, tudo muito diferente da bela casa em que Dona Darcy se criara em São Borja. Provavelmente ninguém diria que sete anos mais tarde, Darcy estaria ocupando o palácio Guanabara e o posto de primeira-dama do país.
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Como foi que a menina do interior se transformou numa mulher elegante e bem articulada o livro não esclarece, mas o fato é que isto aconteceu. Fotografias da época mostram Dona Darcy organizando festas e eventos, viajando em missões oficiais, vestindo roupas e chapéus da moda, convivendo com estadistas e sempre muito à vontade.
Além disso, foi ela quem moldou no Brasil o papel de primeira-dama. Antes, não houvera nenhuma esposa de presidente com luz própria. Darcy Vargas foi pioneira no trabalho social. Ela introduziu na pauta do governo federal o combate à pobreza. Criou a Legião Brasileira de Assistência. Organizou um forte trabalho voluntário para apoiar os soldados brasileiros que foram lutar na Europa na II Guerra Mundial, tanto no tempo em que permaneceram fora do país como na sua volta, entre outras realizações.
Depois da morte de Getúlio, Dona Darcy permaneceu no Rio de Janeiro, onde está enterrada ao lado do filho caçula, falecido aos 25 anos.
Ou seja, por qualquer lado que se olhe, vale a conclusão: a guria de São Borja simplesmente se superou.