Há cinco anos uma ideia dava, literalmente, seus primeiros passos. Uma ideia simples, que para muitos, não daria certo. Quem iria querer caminhar pelo interior contemplando as belezas da colônia? Pois o idealizador do projeto Passeios na Colônia, Alício de Assunção, não se abateu com os dizeres pessimistas e mostrou que é possível fazer turismo no interior sim. E mostrou também que há muitas pessoas que querem ver a simplicidade que se abriga pelas estradas interioranas entre matas e morros, as vezes bem longe do concreto e do asfalto.
Numa típica observação de jornalista, Alício percebeu um nicho no mercado turístico. Viu que grupos que estavam nos campings de Marques de Souza saíam para caminhar junto à natureza, sem destino. Em outubro de 2011, movido pelo espírito empreendedor e num momento de revolta em relação a toda teoria e a pouca prática acerca do turismo no Vale do Taquari, organizou a primeira caminhada guiada para contemplar as belezas naturais do trecho entre Tamanduá, Marques de Souza e Xaxim, Progresso. Uma distância de seis quilômetros. Esperava, no máximo, 20 caminhantes. Inscreveram-se 30. Um prenúncio de que a iniciativa daria muito certo.
Com o passar do tempo o trajeto foi aumentando e o número de caminhantes também. No início, a ideia era apenas deslocar um grupo de ônibus até o interior e fazer caminhadas por locais que muitas pessoas sequer conheciam. Aos poucos surgiu a ideia de ampliar, envolvendo as próprias comunidades visitadas, hotéis, pousadas e fornecedores de produtos coloniais. “O projeto Passeios na Colônia é uma forma de turismo compartilhado, no qual todos ganham”, frisa Assunção, que defende a identidade local como grande trunfo para atrair turistas. “Não podemos nos comparar a Gramado e Canela e querer fazer igual. Temos de valorizar a nossa identidade. O turismo tem que ser diferenciado, tem que ter algo específico para atrair o público”, ressalta.
A prova de que a Região tem este diferencial são os números. Em cinco anos foram 57 caminhadas curtas, de um dia, e 15 edições de caminhada longa, com percurso de 45 quilômetros, feitos em dois dias. No total, já foram caminhados 1850 quilômetros, com trajetos em 26 municípios do Vale do Taquari e seis das regiões da Serra, Rio Pardo e da Serra do Botucaraí. São 10.700 caminhantes e 147 comunidades já envolvidas. Como legado, o Passeios na Colônia deixou nestas comunidades 1.100 mudas de árvores nativas plantadas. Em cada caminhada são plantadas, no mínimo, seis mudas de árvores nativas e, em três comunidades, foram criados bosques coletivos.
Na caminhada de aniversário, a ser realizada neste domingo e que terá um trajeto surpresa, serão plantadas mais de 70 mudas de árvores nativas. Todas são doadas pela Certel e pela Floricultura Floritá, de Lajeado.
A preocupação com a natureza também é uma constante. Prova disso é que nas caminhadas só ficam as marcas de pegadas e as árvores plantadas. “Não se destrói nada, não se tira uma fruta sem que seja oferecida pelo proprietário, nem mudas de flor ou de árvores. Só levamos fotos e as boas lembranças”, salienta Assunção.
Caminhantes do mundo
As caminhadas curtas, com trajeto de 15 quilômetros, são as que contam com o público da região. Já as longas, têm como alvo os caminhantes do mundo. São pessoas na faixa dos 40 anos, residentes no Vale do Taquari e seu entorno, Região Metropolitana e até em outros estados. Há casos de pessoas que estavam no RS a turismo e aproveitaram uma caminhada para conhecer o Vale do Taquari. “Os caminhantes das longas são pessoas que caminham por vários locais do Estado e fora dele. Essa caminhada de novembro, de 100 quilômetros, vai ser um treino para várias pessoas que pretendem fazer o Caminho de Compostela, na Europa. Já tivemos caminhantes de Florianópolis, Maranhão, São Paulo, Itália e Espanha”, reforça Alício.
Para ele, as caminhadas também beneficiam outros segmentos da região. Toma como exemplo as pessoas que vem de fora para um passeio de dois dias e se deslocam até Lajeado com um dia de antecedência, movimentando a rede hoteleira e outros serviços.
Cerca de 80% do público é fiel e participa de várias caminhadas durante o ano. Por isso, o percurso sempre é inédito.
Em busca das coisas simples
O projeto Passeios na Colônia é muito mais do que uma simples caminhada. Traz no seu cerne a contemplação do belo e do jeito simples de levar a vida no interior. Passa por comunidades que, muitas vezes, perderam sua própria autoestima e valoriza o que, para muitos, é comum, sem importância. “Vi pessoas se emocionarem ao passarem por locais que marcaram sua infância. Muitos conhecidos se reencontram nas caminhadas. E tem caminhante que se encontra consigo mesmo ao ver uma paisagem, uma casa, um objeto antigo que lhes remete à sua infância. As vezes é um cheiro, um gosto que ficou marcado e que não foi encontrado em nenhum outro lugar, porque é característico do interior. As pessoas querem as coisas simples que se perderam na vida. Não tem dinheiro que pague ver esta satisfação no rosto delas”, confidencia o idealizador do projeto.
Ele lembra que o início não foi fácil. Tinha que pensar no trajeto e convencer as pessoas de que o projeto era realidade. As próprias comunidades visitadas não acreditavam que pessoas simplesmente iriam querer caminhar no interior. Duvidavam que um grupo chegaria até elas andando a pé e viam o projeto com desconfiança. “Hoje, com o projeto consolidado, é bem diferente. Cada comunidade quer mostrar o que faz de melhor. Toda semana alguém me liga para sugerir um roteiro de caminhada”, aponta.
Como fato marcante dos cinco anos, Alício lembra de uma caminhada que passou pelo interior de Pouso Novo há cerca de um ano. Na localidade de Canhada Funda, onde o número de moradores é bem limitado, uma senhora ficou emocionada ao avistar os caminhantes. “Ela ficou feliz por circular gente perto da casa dela! Para nós parece uma coisa tão simples, quase sem sentido, mas para ela era uma oportunidade de ver pessoas”, recorda.
Projeto proporciona um novo olhar sobre o interior
A protética Lisandra Brunetto, natural de Bela Vista do Fão, Marques de Souza, elogia a iniciativa de Alício. Mesmo trabalhando em Lajeado, passa todos os finais de semana na sua comunidade natal e percebe a importância da valorização das localidades do interior e, sobretudo, das pessoas que ainda residem nelas. Ela acredita que o interior está morrendo aos poucos e que é preciso encontrar uma maneira de possibilitar a continuidade deste modo de vida. Caso contrário a perda será grande, pois aos poucos a identidade cultural das comunidades ficará para trás.
Para Lisandra o projeto possibilita uma nova visão sobre o interior, resgatando a autoestima das comunidades visitadas e das pessoas que ainda residem nelas. Da mesma forma, proporciona aos que deixaram o interior tomarem conhecimento sobre a atual situação dos locais onde residiam, as pessoas, as paisagens. “Destes lugares saiu muita gente e as pessoas que ficaram, na sua grande maioria, são de idade e enfrentam muitas dificuldades, desde a locomoção, como questões de saúde. A mobilidade fica difícil porque têm lugares que nem tem estrada direito. Mesmo que hoje a grande maioria pensa nas grandes cidades, o nosso interior tem que ser revisto, tem que ser repensado junto com o desenvolvimento e isto não está acontecendo”, aponta.
Ela chama a atenção para o fato de que apesar de todas as limitações destas comunidades, há um grande esforço para receber os caminhantes e recepcioná-los da melhor maneira possível. Muitas vezes a dificuldade não é só em relação ao espaço físico, mas em encontrar pessoas que possam ajudar. “Existe a dificuldade de ter pessoas que vão esperar, receber com uma coisa diferente, fazer uma surpresa, porque não tem mais gente. Os nossos jovens, além de serem poucos no interior, não têm mais a capacidade e essa vontade, muitas vezes, de receber as pessoas porque eles não aprenderam. Isso era uma coisa dos mais antigos que se preparavam, que recebiam, que acabavam dedicando tempo a sentar e conversar. Os nossos jovens perderam essa cultura do bem receber. Então isso é outra grande dificuldade”, observa.
Lisandra elogia a inciativa de Alício e diz que o seu projeto proporciona uma interação única. Além de se encontrar com a natureza, os caminhantes se encontram com as pessoas e as localidades, possibilitando que as pessoas e o interior sejam vistos. “Eu acho isso fundamental. Um olhar de compaixão, de carinho, de amor e ao mesmo tempo eles percebem todas as necessidades e dificuldades das pessoas que moram ali. Devemos respeitar o esforço do Alício em organizar esse passeio, pois possibilita a elevação da autoestima das pessoas do interior, faz com que elas tenham orgulho do lugar onde vivem, da sua comunidade”, afirma salientando que o interior deve ser valorizado por todos, pois é nele que são produzidos os alimentos. Da mesma forma, lembra que foi graças às pessoas que saíram do interior que as cidades evoluíram e vivem o momento de hoje.